quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A VELHA QUESTÃO ENTRE O ERUDITO E O POPULAR

 


A VELHA QUESTÃO ENTRE O ERUDITO E O POPULAR

Hoje cedo, ouvindo O Sol de Maiakovski, do álbum "A Canção Brasileira" (The Brazilian Classical Songs) composição para piano e voz do maestro e compositor Gilberto Mendes, entrei mais uma vez em pensamentos sobre a distinção entre música erudita e música popular.

Se perguntarmos sobre a natureza desta música a quem quer que tenha ouvido o fonograma, a resposta com certeza será de que é obra erudita. Por quê? Qual seria o motivo que nos faz classificar desta forma?

Um primeiro ponto e talvez o mais importante seja a empostação da voz da cantora (Kátia Guedes), que é totalmente operística. Se ouvíssemos a mesma música com a mesma pianista Evelyn Ulex, porém substituindo a Kátia por uma cantora de mpb assim como a Tiê ou a Céu talvez já conseguíssemos algumas opiniões diferentes.

Por outro lado, se tivéssemos pedido ao falecido maestro Gilberto Mendes para escrever um arranjo para a música Cais, de Mílton Nascimento e Ronaldo Bastos, e chamássemos a Kátia Guedes para cantar, acredito que teríamos um fonograma que todos considerariam erudito.

Talvez uma outra questão importante sobre a distinção entre o erudito e o popular seja o ritmo. Não tenho conhecimento de nenhuma obra erudita que utilize bateria, elas usam percussões individuais, todas com as devidas partituras. E na maioria das obras eruditas, não há um ritmo definido, embora existam exceções, tais como o bolero de Ravel, por exemplo.

Tudo isto surge no limiar de um novo lançamento, Canção da Menina Triste. O arranjo é de piano, bandoneón e cello, voz da Bruna Caram. Não utilizamos bateria, nem percussão. A harmonia desta música é a mais complexa entre todas as minhas composições até hoje. Talvez seja um Sol de Maiakovski com empostação de voz popular, como na experiência proposta acima. Vejamos o que você, leitor, dirá sobre ela. De qualquer forma, erudito ou popular, fiquei feliz com o fonograma. E se mais uma pessoa gostar, já terá valido a pena.

Abraços a todos!


terça-feira, 7 de setembro de 2021

Ouvintes Ativos e Passivos, a Diferença Entre Ser ou Não Ser

 


Hoje falaremos um pouco sobre ouvintes ativos e passivos e sua influência nas carreiras dos artistas e na produção musical.

Para começar, devo explicar o que entendo como ouvinte ativo e passivo. Para mim, ouvinte ativo é aquele que escolhe especificamente o artista ou a música que deseja ouvir, e ouvinte passivo é aquele que ouve o que lhe é fornecido por uma estação de rádio, música ambiente, trilha sonora de uma novela, playlist pública etc.

No passado, a objetivo da gravadora era o ouvinte ativo, que comprava na loja de discos as músicas de seus artistas favoritos. Não havia preocupação em obter lucro direto com o ouvinte passivo, a ideia era convertê-lo em ouvinte ativo; ou seja, aquele que ouve uma canção, por exemplo, no rádio, e em seguida compra o disco respectivo. Por isso as gravadoras nunca se preocuparam muito com a cobrança de direitos pelas execuções (ao contrário, muitas vezes pagavam às rádios para que as músicas fossem tocadas, uma prática conhecida como "jabá"). Também por isso, não se preocupavam muito com as questões de direitos autorais e direitos conexos, contentavam-se com uma legislação que só lhe reservava cerca de 20% do valor pago pelas emissoras à associação arrecadadora de direitos sobre os fonogramas (modelo europeu de distribuição, que privilegia o autor da música e ainda vigente nas rádios brasileiras). Na venda do disco, não existia nada disso, o disco era propriedade da gravadora e o pagamento aos compositores, intérpretes e músicos era por ela estabelecido à sua vontade.

Pelo parágrafo acima, é fácil compreender a devastação causada nas gravadoras pelo desaparecimento quase completo das mídias musicais físicas, assunto que abordamos em nossa postagem anterior. Hoje buscaremos observar este panorama pela ótica dos artistas.

O cantor ou cantora não dependia da venda de mídia física para sobreviver. Mesmo que o contrato com a gravadora fosse parcela importante de sua renda, havia a possibilidade de se apresentar ao vivo. Para ele, a redução dos custos da produção de um fonograma e a facilidade de divulgação trazida pela Internet trouxe o lado benéfico de lhe proporcionar maior independência no gerenciamento de sua carreira. O outro lado da moeda foi o aumento da concorrência, pela entrada no mercado de uma multidão de artistas que não mais precisavam passar pelo crivo de uma gravadora.

Outro ponto importante foi a chegada das plataformas de música. Se o rádio sempre foi em linhas gerais e tradicionalmente um pagador difícil, a ponto de justificar o surgimento de associações arrecadadoras para defender os direitos autorais e conexos de seus artistas associados, a Internet era uma pagadora mais confiável. A distribuição dos direitos autorais e conexos não é a mesma da ECAD, usa-se o modelo norte-americano, que privilegia o produtor e diminui a porcentagem de autores e intérpretes, mas para o artista que é produtor independente isto não representa problema. O desafio é conseguir ser ouvido, pois o pagamento por reprodução é ínfimo, e só aquele que atinge a ordem de grandeza de milhões de reproduções consegue uma receita significativa.

E aqui chamamos a atenção para a inversão de papéis provocada por este panorama: para o produtor musical de hoje, o ouvinte passivo ganhou importância sobre o ouvinte ativo. Ele precisa buscar a inclusão de suas obras em playlists de acesso público, pois só assim poderá almejar a ordem de grandeza de milhões de reproduções de seus fonogramas. Hoje, cada vez mais é importante o apoio recíproco entre artistas e produtores independentes no sentido de formar suas tribos de seguidores, já que ninguém é ouvinte de um só artista. Este é o caminho, na minha modesta opinião. Mas, como sempre, aceito réplicas e opiniões contrárias. Obrigado, leitor!

domingo, 29 de agosto de 2021

Andy Warhol e a Produção Musical Contemporânea


 

Sessenta anos atrás, o mundo da música era bem diferente do que é hoje.

A gravação era analógica, em fitas magnéticas multicanais. O meio físico era o disco, compacto ou LP, cuja produção era um tanto cara e complexa, realizada por prensagem da massa plástica contra matrizes  produzidas por processo de galvanoplastia.

Assim, por exigir investimento relativamente alto, a produção e a distribuição aconteciam através das gravadoras, empresas constituídas especificamente para este objetivo. Quem quisesse ouvir música em casa, tinha duas alternativas: rádio e TV, onde ouviria o que fosse veiculado pela emissora (ouvinte passivo), ou ir a uma loja e comprar um disco de seu artista favorito (ouvinte ativo).

A semente da mudança foi lançada nesta época, com a chegada das fitas magnéticas para uso doméstico. Nelas, era possível gravar um programa de rádio ou o conteúdo de um disco, ou mesmo montar um álbum particular com fonogramas de diferentes discos e programas de rádio. As fitas e seu aparelho de gravação/reprodução foram diminuindo de tamanho e de preço, em crescente popularização. Mas a pirataria de fonogramas ainda não assustava as gravadoras, que seguiam de vento em popa lucrando com a venda dos discos produzidos. Eram pouquíssimos os artistas que dispunham de capital para se aventurar em uma produção independente.

A evolução prosseguiu com a digitalização e a chegada do CD. Maior capacidade de armazenagem de dados, o que poderia significar mais músicas por unidade ou maior fidelidade na reprodução, o que não foi tão explorado, mas, sobretudo, menores custos de produção. Com isso, aumentou significativamente o número de artistas produtores de seus próprios conteúdos, mas as gravadoras ainda seguiam soberanas.

Para elas, o incômodo chegou com a Internet e os microcomputadores, CDs graváveis e pendrives. Apesar das tentativas, já não havia como controlar a pirataria de fonogramas. As lojas de discos desapareceram, e as gravadoras precisaram adotar novas estratégias para sobreviver, seja trabalhando também como editoras, seja como agentes dos artistas contratados. A distribuição começou a migrar dos CDs para as plataformas de áudio (Spotify, Deezer etc) e para os sites de Internet, e assim chegamos aos tempos atuais.

Hoje, os custos da produção e distribuição de um fonograma caíram a tal ponto que qualquer artista tem condições de produzir e distribuir sua própria obra, se assim o desejar. Artistas que não seriam produzidos há sessenta anos atrás hoje se produzem e estão disponíveis para serem ouvidos, e é aí que surge o artista plástico norte-americano Andy Warhol, que no ano de 1968 enxergou tudo isso que estava por vir e declarou sua famosa frase profética: "No futuro, todos serão famosos por 15 minutos".

Será mesmo? Depois desta necessária introdução, exploraremos um pouco mais este tema nas nossas próximas postagens. Até lá!

domingo, 25 de julho de 2021

Os LPs Voltarão Um Dia?


    Um assunto recorrente nos estúdios, entre cafezinhos e gravações, é a volta dos LPs.

    Na última sessão, estávamos eu, o Alexandre (Fontanetti) e a Bruna (Caram). Como sempre, a nostalgia de um produto que era um pouco mais do que mera reunião de doze ou treze fonogramas, mas um projeto audiovisual com arte gráfica e um propósito. Não como um punhado de fotos esparramadas em uma caixa de sapatos, mas como um álbum de fotos que a gente organiza de alguma forma, por época, por lugar, por evento...

    Da mesma forma, os LPs foram também chamados de álbuns, e os fonogramas tinham algum elo entre si. Quanto veio o CD, trouxe a vantagem tecnológica de um produto fisicamente mais resistente e, ao menos teoricamente, com som de melhor qualidade, além da enorme redução nos custos de fabricação. A ideia de álbum, contudo, ainda estava mantida, bem como a arte gráfica, esta menos significativa em relação aos LPs devido ao tamanho reduzido.

    Mas já brotaram ali sinais do enfraquecimento deste conceito. Lembro que no finalzinho de 2017, quando foi lançado o CD Novo Rumo - Glau Piva Canta Caetano Júnior, recebemos de um crítico o comentário (negativo) de que quem ouvisse isoladamente qualquer um daqueles fonogramas saberia que era daquele CD. Na ocasião, encaramos como elogio, a prova de que o trabalho de alinhavar dois estilos tão diferentes como o da Glau e o meu em um trabalho homogêneo como o CD Novo Rumo fora bem sucedido e que tínhamos ali um álbum, não uma coletânea (coletânea é o LP ou CD formado por fonogramas extraídos de diversos outros LPs/CDs).

    E o que temos hoje? Vejo como uma volta ao tempo dos 78 rpms, onde se lançava uma música de cada vez (o lado B servia apenas como contrapeso, as gravadoras nunca lançavam dois sucessos em um mesmo disco, a menos que por descuido; por que vender somente um disco quando se poderiam vender dois?). Estamos na era dos singles, fonogramas lançados individualmente que podem ou não ser oportunamente reunidos em um álbum com distribuição, cada vez mais, apenas digital.

    A Bruna disse que os LPs hão de voltar um dia, o Alexandre acredita na revalorização do conceito de álbum. Eu pela minha parte não me arrisco a apostar. Vejo outro destino, a associação da música à imagem por meio dos clipes, conceito que na minha opinião veio para ficar. Mas isto já é assunto para outra postagem.

    (Aos visitantes: comentários serão sempre bem-vindos, concordando ou discordando, a ideia deste blog é criar um espaço democrático de discussão e debate; afinal, como dizem, toda unanimidade é burra!)


terça-feira, 13 de julho de 2021

Dia Mundial do Rock


 

Hoje, 13 de julho, o mundo comemora o Dia do Rock!

O gênero nasceu nos E.U.A., a partir basicamente do blues e do country, no final dos anos 40. Tinha uma batida própria que com o tempo foi-se ampliando e diversificando, e a formação privilegiava os instrumentos elétricos, como guitarra, baixo, e, mais recentemente, teclado.

Decorridos mais de 70 anos, a evolução foi tornando difícil distinguir o que é rock e o que não é. Eu da minha parte, em um critério muito pessoal, considero como rock as músicas marcadas com pouca ou nenhuma síncope (deslocamento dos tempos fortes dos compassos) e uso predominante de instrumentos elétricos. Nesta forma de pensar, nem todos os grupos e compositores de rock fazem ou fizeram somente rock, como seria o caso dos Beatles e muitos outros.

Aqui no Brasil, considero que o fortalecimento do rock se deu nos anos 80 e 90, após o iê-iê-iê (uma forma restrita de rock, na minha visão). Nestas décadas surgiram vários grupos e compositores importantes, que inclusive fizeram o gênero caminhar de encontro à MPB, de modo que me arrisco a dizer que temos inúmeras canções que são ao mesmo tempo rock e MPB, mesmo porque não há limites precisos entre os dois gêneros. Quanta MPB não rolou nos Rock In Rio!

Nunca considerei importante a classificação das músicas em gêneros, é algo que para mim só tem justificativa didática, quando o aluno começa a estudar música e precisa de referências. Então me sinto no direito de comemorar este Dia do Rock na condição de compositor (Novo Dia seria meu "rock" mais "puro", dentro da MPB temperada com rock que foi o CD Novo Rumo). Feliz Dia do Rock a todos os roqueiros e quase-roqueiros do Brasil e do mundo!  


quinta-feira, 8 de julho de 2021

Um Pouco de Idade Média


 

Na nossa penúltima postagem, fizemos homenagem ao monge Guido d'Arezzo, idealizador da notação musical como a conhecemos hoje, com pautas, claves e notas, no século XI, coração da Idade Média.

 Algumas pessoas me perguntaram como seria antes disso. Até onde eu sei, seria de um modo muito semelhante ao que se faz ainda hoje, quando não há folha pautada disponível nem tempo para escrever a partitura.

Acima, um exemplo prático e real. A anotação é da Bruna Caram, no estúdio, preparando-se para gravar a guia de uma música inédita de minha autoria, Canção da Menina Triste. Eu havia esquecido em casa a partitura para a voz e já ia voltando para buscá-la, mas a Bruna disse que eu não me preocupasse, não seria necessário. Ela então escreveu rapidamente o rascunho acima para se orientar, onde, junto com a letra da música, traçou uma linha indicando o movimento da melodia e assinalou quando preciso as sílabas fortes (primeiro tempo dos compassos).

Com isso, a guia pôde ser gravada sem problemas. Mas temos que lembrar que a Bruna já havia ouvido a música na minha gravação doméstica (em termos técnicos, chamamos registro inicial: é uma gravação, geralmente feita em telefone celular, onde o compositor canta a música acompanhado de violão ou piano, para apresentá-la ao intérprete e ao produtor) e mesmo ensaiado a voz em casa. Então, o rascunho funcionou para ela como lembrete, mas não serviria para orientar a quem nunca tivesse ouvido a melodia antes.

Assim devia ser nos tempos anteriores ao Guido d'Arezzo. Nada que permitisse transmitir a música com exatidão a quem já não a conhecesse antes, somente lembretes que músicos e intérpretes utilizavam como auxílio à memória.

Grande abraço a todos! Valeu, Bruna!


segunda-feira, 5 de julho de 2021

Os Discos 78 rpm Ainda Vivem


 

O ano era 2013, e eu planejava aquele que seria meu primeiro CD, o Pele Morena e Azul, na voz da Larissa Cavalcanti.

O projeto  de um CD sempre começa com a chamada pré-produção. Escolhido o repertório, ou seja, as músicas que serão gravadas, o próximo passo é definir tonalidades, andamentos e a apresentação da música, sendo que por apresentação refiro-me ao tempo e formato da introdução, de um possível solo instrumental e número de repetições dos temas, o que vai refletir no tempo total de execução da música.

As minhas propostas iniciais muitas vezes levaram a tempos de execução bem superiores a quatro minutos, chegando muitas vezes a ultrapassar cinco minutos. Foi quando me disseram que fonogramas com tempo superior a quatro minutos não eram recomendáveis, por serem tidos como não-radiofônicos, ou seja, normalmente não tocam no rádio.

E não tocam mesmo, com raras exceções. O rádio gosta de fonogramas entre três e três e meio minutos, e eu então ajustei os tempos das músicas para que se situassem dentro desta faixa, tanto quanto possível.

E por que isto? Foi Ruy Castro, em seu excelente livro A Onda Que Se Ergueu no Mar, quem me trouxe a resposta, que está nos discos de 78 rpm. Eram estes os discos existentes na origem no rádio, e não se conseguia neles gravar mais de quatro minutos em um lado sem inviabilizar a qualidade do som na reprodução. Nos casos excepcionais, como em algumas peças eruditas, a única solução era aumentar o diâmetro dos discos, que nestes casos poderia chegar a 30 cm, 5 cm além do diâmetro usual, que era de 25 cm. Em música popular, isto simplesmente não se justificava.

Os discos 78 rpm terminaram em 1970, mas esta influência no rádio permaneceu até os dias atuais. Tenho ultimamente produzido fonogramas com tempos bem superiores: Pescador e Magnitudes têm mais de sete minutos, e Conquista, que deverá ser lançada ainda este mês, tem seis. Assim como quem já conhece tão bem as regras que pode cogitar infringi-las de vez em quando. Os resultados, o tempo trará.

Grande abraço a todos!